Sentado...
- Ricardo Moutinho
- 2 de jul. de 2017
- 2 min de leitura
Ladram os cães, ralham as cadelas, uivam os lobos, gritam as almas desesperadas e eu sento-me a ver a caravana passar diante de meus olhos, como um mar que vai e de vez em quando volta, sem avisar, arrastando consigo a mesma areia de outrora, movendo-a tão devagar que parece que a vida não anda, que tropeça, que empata, que se vê aflita para sair do mesmo lugar, e no entanto, toda a calma do mundo, um silêncio interno que observa sem julgar, que escolhe sem temer, que não se encontra por não saber mais como se perder, que aproveita e assiste, que reside e ao mesmo tempo parte, parte para outro lugar, parte em mil pedaços o que está e divide em outros mil os destinos possíveis a partir deste lugar calmo onde me encontrei, sem saber ao que venho, feliz apenas de estar por aqui, no meio da barafunda como se nada me pudesse confundir, no meio da confusão como se nada me pudesse baralhar, sem respostas para as perguntas que me são feitas e na mesma medida sem urgência nenhuma de responder ou de ir seja para onde for, numa vida quase tão confusa e complexa quanto este texto, numa paz quase tão confusa e quanto estas palavras, num amanhecer que não promete mas também não perturba, deixando passar no ar toda a merda que alguém largou na ventoinha, como se me admirasse com todas as coisas sem me deixar provocar por coisa nenhuma, que do caos que se levanta a cada onda, uma brisa suave passa e me acalma, como se eu pudesse ficar quieto e observando apenas, para todo o sempre...

Comments